passeava eu pela avenida passos quando uma leve quebra no continnum espaço-tempo, uma sutil porém presente intuição levou-me ao interior de um sebo. onde é a seção de arquitetura? o dedo indicador apontou um canto no fundo da sombreada e densa loja. passei os olhos pelas lombadas enquanto o ventilador sobre mim surrava: ali, ali, ali... alternava a cabeça seguindo o diferente sentido dos autores e títulos nas lombadas. gideon, zevi, banister, benevolo, neufert... "banister"??? e eis que estava diante de mim em bela lombada de curvin, com letras em baixo relevo douradas, um autêntico sir, sir banister fletcher. impassível, soberbo e aristocrático, vivo em uma prateleira na avenida passos, nos trópicos úmidos do rio de janeiro. latitude 22º 54' 30'' longitude 43º 11'47'' a lombada me olhou do mesmo que eu a olhei atônito. beauty is in the eyes of the beholder. as páginas firmes, pouco amarelas, nenhuma marca de estrago temporal ou animal nos templos, igrejas, catedrais, seções, detalhes. tudo ali, vivo, pulsante, nas minhas mãos. comigo. uma leve sensação de desmaio rapidamente subtraída pela conta: cartão, débito, dinheiro, como estou? quanto? terei? vejo o preço. os dois dígitos arábicos acrescidos de duas casas decimais levaram todo o tempo do mundo entre as terminações nervosas visuais e os neurônios especializados em fazer conta e tomar decisões: é meu! o alívio me toma e fico leve. chove agora. um ônibus acelera. volta o som. vão embora as lembranças. todos aqueles ônibus do fundão até jacarepaguá passaram a fazer sentido, a espera pelo dinheirinho da bolsa de monitor passou a fazer sentido, a vida espartana e bela de estudante passou a fazer sentido, todos os peitos e bundas em viva flor da carne que desfilavam diante de mim pelo corredor de 178 metros da faculdade que nunca, nunca, me deram bola passaram a fazer sentido, todo o leve escárnio incrédulo dos colegas diante do primeiro e louco monitor do mais raro e louco professor de história da arquitetura daquela faculdade passou a fazer sentido, a leve arrogância daquela aluna linda com a edição que papai conseguiu em londres passou a fazer sentido, aquele ônibus que eu peguei na cinzenta são paulo, na rodoviária tietê, 17 anos atrás, para vir para a magnífica cidade do rio de janeiro, chegando na rodoviária "novo rio", dando adeus a pai, mãe e irmão, vou nessa, vou fazer minha vida, passou a fazer absoluto sentido . tudo agora faz sentido. eu sou o senhor do tempo. eu sou o senhor de um "a history of architecture on the comparative method". eu sou sir. as pessoas olhavam de canto no metrô. estava eu a falar sozinho? sorria? chorava? saio da estação e as pessoas abrem caminho. alguns se curvam. sinto o leve roçar da coroa nas minhas têmporas. mal sabem eles o que os aguarda. mal sabem todos o que virá. digo-lhes um prenúncio: estão aqui comigo todos os monolitos, os templos fenícios, as pirâmides, babilônia, os etruscos, partenon, os teatros, as ordens, os entablamentos, as cariátides, o circo máximo romano, as basílicas românicas, os domos, as catedrais góticas, a abadia de westminster, chartres, estão aqui comigo bruneleschi, vignola, michelangelo, os médici e os farnese, o petit trianon e a magnifícia página dupla 812** do renascimento inglês, de onde impera saint paul. todos. todos estão aqui comigo. todos vivos comigo.
mundo, tremei.
Para encurtar a história, Washington, cheguei ao seu blog meio assim por acaso. Cliquei no Coluna porque ele também é acompanhado por pessoa que acompanha um dos meus.
ResponderExcluirDe tudo o que aqui vi e li eu gostei. Sua intimidade com uma arte recomenda-o como pessoa de bom gosto, a meu juízo. Bom inclusive no bem humorado registro fotográfico que compartilha via blogosfera do cocozinho de uma bonita criança. Viva o cocô, sim, adiro ao seu coro.
O presente post me falou mais ainda. Conheço muito bem esta sesação incrível que um safari pelos sebos da cidade pode propiciar. Aprendi inclusive o exato comprimento do referido corredor.
Tenciono retornar ao seu Coluna para mais ver e ler.
Um abraço.
Oi Washington. Adorei o post. Faça bom proveito do livro. Grande abraço, Edurdo
ResponderExcluirPasseando cheguei a esse antigo artigo.
ResponderExcluirSeu texto me traz muitas memórias.
A primeira, te faria talvez inveja antes desse maravilhoso encontro que você relata. Filha de pai e mãe arquitetos, desde criancinha via um desses na estante. E durante a faculdade, nunca me dei conta do quão precioso poderia ser o livro para quem não o tinha.
A segunda memória é divertida. Contam meus pais - alunos inaugurais do prédio da FAU no Fundão, em seus últimos seis meses de aulas - que um colega irreverente, face o contraste de proporções entre a Praia Vermelha e o Fundão, ia para as aulas de patins. Sem dúvida mais adequados pra percorrer essas centenas de metros diariamente.
Estranho comentar num "post" tão antigo, mas não pude resistir ;)