2007/11/10

O menino e o sonho

Os jornais e sites de notícias deram todos com enfoques diversos - heroísmo, risco, graça - a história do menino Riquelme Uesléi Maciel dos Santos, de 5 anos, que salvou a menina de 1 ano e 10 meses de um incêndio, em Palmeiras, cidade a cerca de 200 Km de Florianópolis.
O fato pitoresco e jornalístico está na roupa que o menino usava quando do ato de bravura: uma camisa como o uniforme do Homem-Aranha.
Obviamente tal camisa e a imagem decorrente dela criam um universo de bravura e heroísmo na atitude do menino. E a ser explorado pela mídia.
Algumas notas alertam para o perigo em que incorreu Riquelme, e que não se faça o mesmo em casa! Este é o alerta dos Bombeiros, que pela hora da sua chegada ao local do incêndio encontrariam a menina provavelmente morta.
O menino por sua vez sentia-se protegido pela camisa e, claro, pelo herói; e, sem medo, relata o causo com riso: Você é o Homem-Aranha? Não, sou filho dele!
Essa é uma história arquetípica de como o sonho vence o medo. Usada até em campanhas presidenciais!
Temos em Riquelme, e em seu ato, um belo gesto mítico: o nascimento do Herói.
Riquelme foi "protegido" pelo seu sonho de menino. Ou melhor: Riquelme se expôs movido pelo sonho.
Havia risco, é claro. A antítese do fato seria terrível: duas crianças mortas em incêndio! Tão manchete ou mais. Mas o fato foi a vitória promovida pelo sonho.
Sempre dá certo? Não. Sempre dá errado? Não.
Mas é uma força de movimento tão rara que quando acontece é a observação mais próxima do que podemos chamar de Arte.
Riquelme foi Artista.
Não como os enfadonhos burgueses que povoam as galerias e o circuitinho mas foi Artista da grande aventura humana.
Separados por poucas páginas, estavam lá os outros: traficantes classe alta! Modelos de beleza encarcerados. Corpos magníficos algemados. O fim do quê? Do sonho? Não. O fim da busca de prazer na realidade imediata. O fim da utopia.
Tão diametralmente opostas estas duas notícias estão interligadas: a capacidade de sonhar. E, principalmente, de mover-se em direção a algo desconhecido.
Estas pequenas notas, como a do menino, mostram como este sonhar é importante e como é pouco levado em conta na construção da nossa realidade, ou realidades, e que possam nortear nossa sociedade. Cujos objetivos "reais"- dinheiro, carreira, sucesso, corpos - produzem os atores das outras notas policiais.
E não se trata também de eleger heróis. Ou de se elancar altas morais. Utilizamos ambos, heróis e moral, como quem troca de roupa.
Trata-se de
promover sonhos no plano do indivíduo e suas cercanias - família, escola - e no das instituições.
Trata-se de ter sonhos que possam mover todo um país em direção ao fogo!

2007/03/13

made in china

transcrevo aqui a discussão q se dava por email a partir do envio para amigos e colegas q fiz da seguinte notícia portal vivercidades.



Chineses querem excluir arquitetos estrangeiros dos concursos de projetos realizados no país. O descontentamento interno cresceu – e muito –, quando o público interno constatou o pífio resultado das contratações feitas, no passado recente, sobretudo para projetos-icônicos, que agora estão em fase de conclusão das obras. Por exemplo, a nova Ópera de Pequim, apelidada de 'Ovo Podre', projetada pelo francês Paul Andreu, e criticada por sua implantação urbanisticamente descontextualizada e por seu caráter completamente alheio à cultura chinesa [un-chineseness]; a nova sede da TV chinesa, desenhada por Rem Koolhaas; o estádio olímpico 'Ninho de Pássaro'; e outras pirâmides bilionárias. Para complicar a coisa, todas essas contratações estão sendo hoje consideradas 'superfaturadas', já que os parceiros locais arcam com 50% das tarefas de desenvolvimento dos projetos mas faturam apenas 10% dos honorários. E a chapa esquentou ainda mais quando as 'estrelas internacionais' começaram a ser acusadas publicamente de "arrogantes" e de usar as oportunidades oferecidas no país para fazer "experiências".



Ópera de Pequim: mais uma
Ópera de Pequim: mais uma 'experiência' ocidental na China.
Imagem: AXYZ in www.linternaute.com

comentário de rodrigo azevedo:

Merda de artigo hein?! O problema é só o preço. Mas ainda bem que tem a china pra bancar isso!


comentário
meu:

não sei se é bem uma merda "o" artigo. mas a situação sim.


o fato é q o chineses queriam mainstream. por isso se fizeram valer dos artífcios globais. star sistem arquitetônico e etc. hiperobjetos.

o curioso é o feitiço voltar-se contra o feiticeiro na medida q o mercado deles mudou drasticamente - economica e, principalmente, culturalmente. a ponto de produzirem eles tb bons escritórios. daí a reserva de mercado. ou seja, liberou, agora quer fechar.

do ponto de vista arquitetônico é interessante ver a discrepância cultura/design/imagem entre local e global. aquele documentário mondovino, lembra?

agora, aqui pra gente, longe disso tudo, é curioso ver como a "tipologia paulista" é unipresente em todos os concursos. faça uma pesquisa nos concursos: capes, iphan, biblio puc, faculdade de medicina, memorial republica, museu tolerancia, tudo igual!

claro q dinheiro dá opção. mas a ausência dele não deveria dar monotipias.

o q fazer com o dinheiro é q é a pergunta.

mas tenho cada vez mais a impressão de que esta pujança q a china cria tem focos errados , como tentando criar um modelo neo-ocidental. e repentindo os mesmos erros.

quando tivermos dinheiro o que e como faremos?

comentários de
pedro rivera:

a crítica sobre experimentações é boa.
na europa ninguém dá esta liberdade a eles.
mas é também uma forma da china fazer seu marketing.
este projeto do ovo é uma bela merda

2007/02/08

o inferno que nos consome

O poço não tem mais fundo.
É uma boca infernal que consome a todos nós.
Ontem consumiu o menino João Hélio Fernandes. Amanhã quem poderá ser? Quem estará sendo assassinado neste momento enquanto lê-se o jornal?

Nunca antes na história deste país a bárbarie assolou famílias, crianças, inocentes como agora. Nunca antes na história deste país a morte passou a imperar sobre nosso futuro. Nunca antes na história deste país fomos tão apáticos e tolerantes com a desordem, com o caos, com a corrupção, com a violência. Pois esta boca infernal está nos mastigando paulatinamente, triturando nossas crianças, moendo nossas esperanças e promovendo em nós uma admiração pela morte e por tudo que é putrefato e sórdido.

Precisamos urgentemente fazer um exercício: coloquemo-nos no lugar do menino arrastado até a morte. Ou coloquem um filho ou ente amado. Ou imaginem até um desconhecido. Um alguém. E sintamos o horror desta morte. E a sensação - incapaz de sequer de resvalar - do horror dos parentes do menino morto. E precisamos chorar.

Até quando não vamos perceber a relação estrutural desta e outras mortes, da bárbarie, da violência, com a corrupção de congressistas, com super salários do Judiciário, com a impunidade para os fraudadores e sonegadores, com o desrespeito com o meio-ambiente, com o avançar o sinal vermelho.

O Brasil está sendo arrastado para a morte.